Pacote inaugura uma era de incerteza econômica; impacto direto no comércio com o Brasil deve ser limitado, mas especialistas alertam para possíveis efeitos colaterais.
02/04/2025

Presidente dos Estados Unidos Donald Trump
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anuncia nesta quarta-feira (2), após o fechamento dos mercados internacionais, o pacote de tarifas comerciais mais agressivo em um século. Chamado de “Dia da Libertação”, o plano prevê a imposição de tarifas recíprocas contra todos os países que, segundo o governo americano, aplicam barreiras desproporcionais aos produtos dos EUA.
A proposta marca uma ruptura com o sistema multilateral de comércio defendido pela Organização Mundial do Comércio (OMC), que preza pelo tratamento igualitário entre as nações. Com o novo modelo, os Estados Unidos passarão a retaliar individualmente, adotando tarifas específicas de acordo com as taxas cobradas por cada país sobre produtos americanos.
A seguir, veja o que já se sabe sobre a medida e quais podem ser os impactos para o Brasil e para o cenário global.
Como essas tarifas funcionam?
O conceito de “tarifa recíproca” parte da ideia de igualar os encargos: se o país A impõe uma tarifa de 15% sobre um produto americano, os Estados Unidos responderão aplicando o mesmo percentual sobre o item equivalente vindo daquele país. No entanto, essa abordagem desconsidera nuances técnicas do comércio internacional e ignora compromissos assumidos em acordos multilaterais. Para muitos analistas, o modelo amplia o risco de decisões políticas arbitrárias e pode intensificar disputas comerciais.
Donald Trump afirma que suas tarifas buscam não apenas equiparar taxas, mas também combater barreiras não tarifárias impostas a empresas americanas, corrigir superávits comerciais considerados excessivos e equilibrar encargos específicos sobre produtos. Desde 13 de fevereiro, autoridades americanas correm para atender à ordem presidencial de promover um “comércio justo e recíproco”.
Quais países estão mais expostos?
A lista de possíveis alvos das novas tarifas inclui China, União Europeia, México, Canadá, Brasil, Japão e Coreia do Sul. A China já é submetida a sobretaxas generalizadas, enquanto México e Canadá enfrentam tarifas adicionais sobre aço, alumínio e automóveis. Para países com tarifas médias de importação mais elevadas, como o Brasil, o risco de retaliação é maior. Além disso, o presidente Donald Trump já mencionou nominalmente o Brasil como um dos países que impõem tarifas consideradas “injustas”. O país também foi citado em documento oficial do governo americano elaborado anteriormente ao anúncio das tarifas, o que o mantém sob atenção no atual cenário.
Qual é o impacto global esperado?
Analistas têm se dedicado, há meses, a tentar estimar os possíveis impactos das tarifas indefinidas anunciadas pelos Estados Unidos. De acordo com a Bloomberg Economics, uma aplicação mais abrangente dessas tarifas poderia elevar em até 28 pontos percentuais a tarifa média americana, o que resultaria em uma redução de 4% no Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA e um aumento de até 2,5% nos preços ao consumidor, em um horizonte de dois a três anos.
A Câmara de Comércio Americana para a União Europeia (AmCham EU) estima que a escalada do conflito comercial coloca em risco cerca de US$ 9,5 trilhões em fluxo comercial global, superando os US$ 8,7 trilhões estimados no ano anterior.
Segundo Otaviano Canuto, o principal risco para o Brasil decorrente das tarifas está no canal financeiro. A elevação da inflação nos Estados Unidos, provocada pelas novas tarifas, pode obrigar o Federal Reserve (Fed) a manter as taxas de juros em níveis elevados por um período mais prolongado. Esse movimento tende a pressionar o real, encarecer o crédito e reduzir o espaço para cortes na taxa de juros no Brasil. Dessa forma, mesmo sem um impacto direto sobre as exportações, o país poderá sentir os efeitos por meio do aumento do custo do financiamento externo, da desvalorização cambial e da alta da inflação doméstica. Canuto ressalta que o Fed já enfrenta um dilema mais complexo entre o controle da inflação e a sustentação do crescimento econômico, cenário que tende a se agravar com as novas medidas.
Independentemente do cenário adotado, o impacto sobre os parceiros comerciais seria severo. China, União Europeia e Índia tendem a liderar a lista dos mais afetados nas exportações, embora apresentem maior capacidade de absorver choques internos. Já o Canadá e os países do Sudeste Asiático devem experimentar efeitos mais amplos e profundos.
Por que o canal financeiro é mais relevante para o Brasil?
Quais setores brasileiros estão mais expostos?
Em 2024, os Estados Unidos representaram 12% das exportações brasileiras, com destaque para produtos como petróleo, aço, aeronaves, café e celulose. No que tange às importações, o Brasil depende dos EUA para a aquisição de motores, máquinas, aeronaves e combustíveis. De acordo com um estudo elaborado pelo Bradesco, o Brasil destina principalmente bens intermediários e combustíveis ao mercado norte-americano, os quais estariam vulneráveis a impactos significativos caso houvesse a implementação de tarifas elevadas.
O Brasil pode retaliar?
A capacidade de retaliação do Brasil é limitada, conforme reconhecem tanto o governo quanto analistas econômicos. O país mantém uma balança comercial praticamente equilibrada com os Estados Unidos e enfrenta restrições fiscais. O vice-presidente Geraldo Alckmin adotou uma postura de diálogo e cautela, ressaltando que o Brasil deve aguardar os detalhes do pacote antes de tomar decisões definitivas. A estratégia adotada visa proteger o comércio com os EUA, principal destino dos produtos industrializados brasileiros, e evitar conflitos que possam prejudicar os exportadores nacionais.
O risco de recessão global aumentou?
Analistas do Goldman Sachs aumentaram a probabilidade de uma recessão nos Estados Unidos para 35%, apontando fatores como a queda na confiança do consumidor, a persistente inflação elevada e o agravamento das tensões comerciais. A perspectiva de estagflação — caracterizada pela combinação de estagnação econômica e inflação — tem se fortalecido. Para o Brasil, essa situação implica em um cenário externo mais volátil, com redução na demanda global, fortalecimento do dólar e elevação nos custos de financiamento.
(com informações da Bloomberg)